Sunday, November 25, 2007

 

Ao meu pai

Os verões na praia da minha infância sempre foram lentos. Ou é a infância que se demora a passar, como um trem que sai lentamente da estação até alcançar velocidade. Aquelas férias dos meus sete anos, em especial, parecem ter tomado alguns anos da minha vida.
Pensando em retrospectiva, não consigo me lembrar com clareza daqueles meses entre o acidente e o início da recuperação. Minhas memórias são um pouco confusas e incompletas, possivelmente com muita imaginação para cobrir as lacunas. Mas, definitivamente, não consigo encaixá-las todas apenas naquele ano de 1990.
Lembro-me de uma tarde quente em que tudo parecia normal, até mesmo a saída, que já me parecia demorada, de meu pai. Crianças na rua, vizinhos conversando sobre os muros, diversão em todas as casas.
O clima começou a mudar quando minha mãe também sumiu. As brincadeiras na vizinhança deram lugar a conversas reservadas, pelos cantos da casa. A rua estava deserta em uma tarde de sol. A temperatura, quente, havia se tornado abafada, sufocante, insuportável. Apesar disso e, mesmo improvável, só consigo me ver nessa cena com uma blusa de malha que tinha nessa época. Suor quente a descer por fora e o frio, a incerteza a crescer por dentro.
Nossa casa, sempre de portas e portões abertos, só a vejo fechada, como se noite adentro. Como se morta.
Esse era o clima que me lembro, e todos adiavam me dar uma explicação. Quando se tem sete anos, nunca te explicam nada direito. A malha não deve ter sido suficiente para cobrir a insegurança. Nem todos os cobertores da casa o seriam.
Recordo-me de cenas isoladas, de palavras jogadas no ar, talvez entreouvidas nas conversas de meus primos, entreouvidas entre os adultos.
Impossível me lembrar daquele reveillon. Lembro-me de brincadeiras inventadas por meus primos para me animar, porém creio que eu era o que menos entendia a situação.
Nos meses seguintes eu não vi meu pai. Sabia que estava no hospital, ouvia histórias, mas, por algum motivo, eu não podia vê-lo. Gente estranha a mim entrava e saía todos os dias, o tempo todo, de casa, mas o único rosto que eu queria ver não aparecia nunca.
Quando finalmente apareceu, o objetivo passou a ser entender o que o tal do “McDonald´s” fazia ali, o que foi rapidamente compreendido, dada a visível fragilidade do meu pai.
Depois de tantos anos, no meu mundo, longe, queria recuperar o tempo perdido com ele. Lembro-me de tentar acompanhar as sessões de filmes noturnas, mas só para acordar no fim e concordar que foi um filmaço. Ou, mais comum, me levantar no dia seguinte sem me lembrar como fui parar na cama.
Desde que tudo aconteceu, ouço que a “absolvição” foi o filho de sete anos ainda a criar. Tenho quatro irmãs, cinco mulheres em casa. E um único pai que deveria valer por todas, ser o único exemplo masculino para um garoto seguir e construir seu caráter.
Se hoje sou a pessoa que sou, devo a todos que cruzaram meu caminho. Se sou o homem que sou, grande parte a ele, que teve o trabalho mais difícil – o de criar bases a serem seguidas pelo resto da vida.
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Comments:
Ae, estou fundando nesse momento o movimento "Atualiza Zé!!!" Nao preciso explicar nada neh?
abraco
 
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