Tuesday, June 29, 2004

 

Pedágio

Show do Manu Chao no Ibira domingo. Na volta, dez reais de gasolina pra chegar até em casa. Imigrantes, São Bernardo, R$1,80 de pedágio. E eu sem um puto no bolso. Tentamos de tudo. Aceita cartão? não, e vale-refeição?, também não, só cheque. E eu sem uma folhinha.
"Dá seus pulos, se vocês não arrumarem o dinheiro eu coloco aqui como invasão e vão ter que pagar multa. Passa a cancela e encosta pra não atrapalhar a fila".
Não tinhamos muitas opções, mas enfim, cheguei em casa mais de meia-noite. Sem multa.
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Monday, June 28, 2004

 

Antiguidades

Dois textos que eu já havia publicado no outro blog, o emaemaema, mas que não poderia deixar de tê-los aqui:

Cotidiano
Mesmo vagão, portas diferentes. Mesmo à distância seus olhares se atraíram e se cruzaram. Os lábios não resistiram e sorriram despreocupados, juvenis, um tanto acanhados.
Abaixaram o rosto, como se não soubessem serem donos do sorriso alheio. As mãos esquentaram com um suor frio, os corações aceleraram.
Sentaram-se em bancos opostos, de frente. Ele com o jornal do dia, ela com um Machado. Ninguém prestava atenção à leitura. Os olhos escapavam por cima do papel para o outro lado do vagão. Sempre furtivos, sempre fingindo nada querer, mas a tudo buscando. Quando se encontravam, encaravam-se por segundos e voltavam sua atenção à literatura, esperando o momento de novo encontro.
Chegou a estação dele. Hesitou por um momento, não queria descer. Sabia que nunca mais a veria, mas seguiu a vida conforme planejado.

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Beleza Congestionada

Com um vigoroso tapa, ele cala o despertador que teima em despertá-lo todo dia às seis. Com um vigoroso silêncio, ele cala sua mulher que teima em aborrecê-lo com o seu dia ou com as contas a pagar. Com uma vigorosa sonolência ele caminha até o ônibus que o levará à estação.
Pedindo indulgência aos céus, Roberto toma o trem das 6h30. Segura-se na barra, apóia a cabeça e alterna entre momentos de sonho e realidade. Acorda sobressaltado, não lembra o que sonhou.
No fundo do vagão, separados por um mar de pessoas, ele a vê. Pensa em como gostaria de brandir seu cajado no ar, abrir espaço e chegar até ela. Sentir seu cheiro, afagar seu cabelo, olhar seus olhos e sonhar seus sonhos.
Não tem certeza de estar acordado. Acabaram-se as pessoas, só existe ela. Cabelos negros despenteados descuidadamente presos em um rabo de cavalo na nuca, olhos febris olhavam o infinito, provavelmente enxergando à distância de seus pensamentos. Sua tez aparentava calor, contrastando com o tremor de seu corpo. Nariz vermelho. Enfim, ela era toda de uma beleza congestionada. Com certeza era gripe, mas a gripe a deixava bela como ele nunca vira antes.
Ela desceu na próxima estação. Ele acordou do sonho que sonhava acordado. Tinha certeza de que era um anjo, uma aparição que apenas ele vira. Afinal, como podia ninguém mais ter notado tão bela criatura que parecia não ter peso ao caminhar? Como podia apenas ele ter notado aqueles olhos inflamados? Tinha certeza, era um anjo.
No trabalho, costumava não pensar. O realizava de forma mecânica. Não que ele pensasse em outras coisas ou imaginasse situações. Não, parecia que sua mente abandonava seu corpo enquanto trabalhava. Mas nesse dia foi diferente, não conseguia tirar a aparição de sua cabeça. Pela primeira vez em dez anos o gerente lhe chamou à sua sala para cobrar mais empenho. Coloque a cabeça no lugar homem, desse modo você ainda vai causar um acidente aqui na fábrica.
No jantar, sua mulher o achou particularmente estranho. Não estava fazendo os ruídos habituais ao comer. Não havia nem tocado na comida. Roberto só pensava em seu anjo. Nem assistiu à novela nesse dia, foi direto para a cama.
Com um vigoroso tapa, ele quebrou o despertador. Levantou mais mal-humorado do que ela jamais havia visto. Nesse dia Amanda não lhe falou das contas atrasadas ou de como ela odiava seu patrão. Estava com medo. Roberto saiu sem tomar o café, já estava atrasado.
No trem, sua face se iluminou. Seu anjo estava lá mais real do que nunca. Ele tentou forçar o caminho por entre a multidão, mas não saiu do lugar. Não tinha forças. Não tinha espaço. Não tinha palavras para dizer ao anjo. Tinha certeza de que estava acordado agora, se convenceu de que ela era real. O que poderia dizer a tão divina criatura?
No trabalho, sua mente atrapalhava seu corpo. Pensava na moça do trem e isso trazia reflexos na produção. Seu gerente lhe chamou novamente à sala, perguntou o que estava acontecendo, se era algum problema na família. Nada seu Nogueira, balbuciou visivelmente constrangido Roberto. Não ligava quando o patrão passeava pela fábrica para evitar ‘corpo-mole’ dos empregados, mas quando estavam apenas os dois, sentia-se intimidado.
No dia seguinte chegou meia hora mais cedo no serviço, para evitar a moça gripada do trem. Voltou a ser o bom, velho e produtivo Roberto. Nogueira pensou que o que quer que fosse estava resolvido, seu melhor funcionário estava de volta. O dia transcorreu sem maiores problemas.
Repetiu o procedimento no dia seguinte. Pensava em chegar ao serviço meia hora mais cedo, evitar o horário de maior movimento do trem e, principalmente, seu anjo. Trem vazio, conseguiu um bom lugar pra se sentar. Apoiou sua cabeça no vidro, pensando que poderia dormir até chegar na fábrica. Olhou em volta, procurando se acostumar com aquela calmaria, bem diferente do horário de pico. Reparou nas pessoas. No senhor de chapéu de pé, apesar de estarem sobrando lugares vagos, na senhora de vestido e véu na cabeça, preocupada com alguma coisa, na prostituta indo para casa dormir o sono dos justos após mais uma noite de trabalho, quando a viu. Ela estava lá sentada, com um lugar vago ao seu lado. Preciso falar com ela, pensou.
Nem pestanejou. Levantou-se de supetão para lhe falar. Ainda não sabia bem o que, mas falaria.
Foi se aproximando. Percebeu que havia algo diferente nela.Os olhos agora estavam límpidos, o que ressaltava o profundo azul de sua pupila. Sua pele exalava um doce aroma. Cabelos soltos, despreocupados, balançavam junto com o trem vazio. Seu nariz levemente arrebitado não estava mais vermelho. Roberto percebeu que junto com a gripe foi-se o ar angelical. Agora ela era mais uma trabalhadora tomando o trem. Seu passo continuava decidido. Se parasse perderia o rumo, cairia sentado no chão muito provavelmente. Precisava sentar-se e refazer-se.
Agora ele só conseguia pensar em Amanda. Sua primeira namorada, seu primeiro amor, sua única mulher. Sentou-se no primeiro banco vago que encontrou.
A bela morena de cabelos soltos, olhos azuis e sorriso alvo ao seu lado levantou a cabeça, olhou-o e sorriu. Continuava a encará-lo, esperando que dissesse alguma coisa. Uma certa tensão pairava no ar.
Então Roberto a encarou, já sem ver nela a deusa gripada que o atormentava em seus mais recônditos sonhos. Tinha a impressão que se não dissesse algo aqueles olhos azuis nunca sairiam de seus olhos negros. Empostou a voz, enrijeceu a coluna, a olhou de cima para baixo e secamente finalmente disse “que horas são?”, “cinco” respondeu ela, visivelmente desapontada.
Roberto fez a menção de se levantar. Ela puxou-lhe pelo braço e o beijou. Afastou-a e voltou para seu lugar, sem dizer palavra. Não pensou mais nela no serviço. Nem no jantar. Naquela noite amou Amanda como nunca.

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Saturday, June 26, 2004

 

Começos

Começo de ano, começo de um novo trabalho, começo de um blog. Começos encerram em si muitas promessas. No começo só existem possibilidades, sonhos e imaginação.
Um ano melhor, um salário melhor, uma pessoa melhor. Esse começo de blog promete ser um local para melhorar minha escrita, me aperfeiçoar.
Mas é só o começo e começos sempre encerram em si muitas promessas. Poucas se concretizam, outras tantas se perdem ou são esquecidas.
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