Monday, October 18, 2004

 
Um perfume adocicado invadiu a sala. Parecia que todas aquelas flores, já secas após a longa noite, haviam subitamente voltado à vida. Os poucos que sobraram se voltaram para a porta de vidro e a viram. Não era necessário apresentações, todos sabiam quem era ela.
Vestido preto de alças até um pouco abaixo do joelho, demasiado leve para aquele ambiente pesado. O sol se refletia em seus longos cabelos loiros. A boca, pintada com um triste batom vermelho, era a única coisa visível na sombra em que seu rosto estava imerso.
Deu um passo adentro. Um sorriso sem graça invadiu seus lábios. Todos a olhavam. Todos agora entendiam porque aquela mulher, mantida em segredo durante tanto tempo, havia sido a maior glória e talvez a última perdição do homem a quem vieram prestar as últimas homenagens.
Naqueles olhos negros havia um brilho que nem a tristeza conseguia apagar. Não sabia se devia ter vindo. Num canto, a esposa, a oficial, abraçada ao único filho. Aquela que deveria ter sido sua sogra chorava copiosamente nos ombros do marido. Conhecia aquelas pessoas apenas por fotos, nunca foram apresentados. Ela era a outra.
Todas as atenções ainda estavam voltadas para ela. Percebia que estava sendo julgada com olhares. Como tivera coragem de aparecer? Que cara de pau! Assassina! Mas não foi a esposa? Mas eram apenas especulações. Ninguém queria acreditar que aquele homem tinha motivos para se matar.
Olhava agora o corpo daquele a quem tanto amou. E odiou outras tantas vezes. A viúva se aproximou. Nessa distância, percebia que aqueles olhos eram de um azul-escuro profundo. Ficou imaginando quantas vezes seu marido não se perdeu na imensidão e nos segredos daqueles pequenos planetas.
Lágrimas brotaram no rosto de ambas. Não disseram palavra, não era necessário, e se abraçaram como apenas pessoas que partilham da mesma dor poderiam fazer. Eram agora velhas amigas buscando suporte, consolo no ombro alheio. As grandes tragédias unem grandes rivais.
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