Friday, October 19, 2007

 

O mundo

Fugiu da prisao que se tornava sua mente com um trabalho em que nao tinha que pensar. Trocou a prisao que se tornava sua vida aprisionando-se em si mesmo. E deixou sua vida fora de si, em piloto automatico até segunda ordem. E deixou o mundo do lado de fora, e o mundo o deixou de fora. E tentou se reintegrar ao mundo mas o mundo o empurrou, rechaçou e cuspiu longe.

Entao se encerrou cada vez mais em sua bolha até que sua bolha virou a si mesmo. Até que uma pequena flor nasceu em sua bolha e destruiu suas auto-defesas. Como uma erva-daninha, aquela pequena rosa sem espinhos subia por suas muralhas e o faziam ver o mundo.
E o mundo também voltou a vê-lo. As defesas caíram por terra e o rechaço virou abraço. Estava no mundo e o mundo em si. E se deu conta que o mundo nao era mais que sua mesmíssima bolha, compartilhada por outros. E aquela rosa é cultivada até hoje, se por acaso sua bolha se feche de novo.
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Cidade sem nome

Cansou de nao saber em que cidade acordava, por isso construiu sua própria. Filas cheias todo o día nos pontos turísticos. Sol quando se tinha frio, nuvem quando estava muito quente e chuvas sempre imprevistas. E ele passava direto pelas filas e multidoes, dono da cidade que era. Tomava sol quando queria e na chuva nunca se resfriava.
E o mapa da cidade era bem simples: no fim da Avenida Paulista, no alto de Montjuic, está o orgulho desse sem nome nem passado, a Torre Eiffel, perfeitamente alinhada com o Big Ben, logo ali na Perimetral, na parte baixa.
O cruzamento entre o Canal de Saint Martin com a Bricklane, logo ali na Pont Tournant, é o melhor lugar para festas. E a polícia local nunca registrou uma só queixa de vizinhos pelo barulho dos jovens nas ruas até amanhecer. Invaravelmente se juntavam a eles e se esqueciam da vida até o outro día.
Partidas de futebol, todos os dias todas as horas. Jogadores sem nome divertiam a multidao sem face o día inteiro no Estade de France, no Olímpico de Montjuic e até no Reino de Navarra. Infelizmente o Camp Nou continua em reformas nao se sabe até quando.
Seguramente, o melhor açaí da cidade está em uma travessinha da Leicester Square, bem de frente com a Sagrada Família. Impossível nao encontrar.
E assim passava-se os dias. Encontrava-se sempre com os amigos que, claro, estavam todos lá. Todos como os conheceu. Os casados, solteiros. Os carecas, com cabelo. Os chatos, calados. Até ele mesmo parecia 20 ou 30 anos mais jovem. Mas, mesmo com sua recém adquirida juventude, sabia que nem o pior nem o melhor dos tempos duravam para sempre.
E assim foram passando-se os dias, até que veio o inevitável. A platéia nao viu se o lançamento preciso para o artilheiro alvinegro virou gol, e ele tentou se enganar, imaginando que outra reforma começava. O Big Ben nao deu a última badalada, e ele pensou se nao haveria volta. A grande Torre caiu no vazio negro que havia se tornado a Paulista sem atrapalhar o trânsito e levou as dúvidas que restavam junto com ela. Finalmente alguém havia chamado sua família e dito “haverá menos sofrimento para ele e para vocês. O melhor é desligar os aparelhos.”
E tudo ficou branco.
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