Tuesday, July 27, 2004

 

Chiclete

Para variar, estava atrasada para o trabalho. Enquanto esperava seu ônibus, foi ao bar da esquina comprar chiclete. O ônibus chegou, seu troco não.
Deixou os dez centavos que faltavam de gorjeta e correu apressada para o ponto. Bateu no vidro, fez cara de choro e a porta abriu.
Não tinha trocado para passar a catraca, droga aqueles dez centavos fizeram falta, pensou. Entregou uma nota de dez, encheu o bolso com as moedas e se ajeitou em uma janela no meio.
Abriu seu chiclete, jogou o papel no chão. O moço ao seu lado, terno, gravata e pasta, fez uma menção de dar-lhe uma reprimenda, mas desistiu.
Mascava de boca aberta, o que lhe dava uma aparência eqüina, ressaltada pelos dentes aparelhados à mostra. Ajeitou seu rabo-de-cavalo e recostou-se no banco, pensando nos compromissos do patrão para o dia. Chegaria no meio do café da manhã com os italianos. Ainda pela manhã havia uma reunião da diretoria e almoço com os japoneses. Mais reuniões intermináveis e compromissos com investidores internacionais. Basicamente isso, nada muito diferente da rotina de grandes negócios do chefe nem da sua de secretária.
Shjlac shjlac shjlac shjlac. Continuava a mascar seu chiclete, displicente, quase dormindo. O senhor terno-gravata-pasta olhou ao redor, procurava algum lugar distante daquele barulho. Não encontrou. Novamente pensou em reprimir a bela jovem ao seu lado, novamente desistiu.
Morena, cabelo preso no meio da cabeça. Olhos semi-cerrados, castanhos despreocupados, olhando para o teto. Pernas cruzadas, cobertas por uma meia calça preta que parecia terminar onde começava a saia azul.Blazer de cor combinando, por cima de uma camisa branca justinha, o que ressaltava seus seios e deixavam-nos parecendo maiores. Mas definitivamente foram aquelas pernas grandes e roliças que o fizeram esquecer do barulho. Mudou o foco de seu pensamento.
O senhor gordo no banco da frente não parava de se mexer. Ora se ajeitava na cadeira, ora olhava para trás ora colocava as mãos na cabeça. Shjlac shjlac shjlac shjlac. Tentava encarar a garota ver se ela percebia que estava incomodando. Shjlac shjlac shjlac shjlac. Desistiu, ela parecia em outro mundo.
A bondosa velhinha lhe disse que chicletes faziam mal aos dentes, que era muito feio uma mocinha mastigando desse jeito. Sem prestar atenção, olhou para a senhora, meneou com a cabeça e voltou às suas preocupações. Shjlac shjlac shjlac shjlac.
Começou a reconhecer a paisagem das ruas próximas ao escritório. Seu ponto era o próximo. Acordou de seus devaneios em que se imaginava negociando com os japoneses, italianos e alemães e o patrão como seu secretário.
O chiclete estava duro e sem sabor. Não queria colar embaixo do assento. Levantou-se, puxou a cordinha, juntou saliva. Engoliu.

valeu Thais, sem sua onomatopéia esse texto não tinha saído.



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